PALAVRA, DRAMATURGIA: O QUE PODE SER?
/// espaço para esboços de dramaturgias autorais; dando nome às coisas:
SONHOS: MANIFESTO, 2023
“SONHOS: MANIFESTO” é uma palestra-performance que intercambia dramaturgia e conhecimento científico. Colocadas em perspectiva, essas duas formas de disseminação do pensamento intencionam uma interpretação científica-poética da realidade sob o prisma do “sonho” — sonho como habilidade biológica e sonho como exercício político. Quem sonha? Com o que sonha? Enunciadas essas duas perguntas, o texto é também um esforço de entendimento sobre a formação de identidades individuais e coletivas através da linguagem, da memória e do corpo, situados na amplitude simbólica do espaço onírico.
A escrita deste texto foi incentivada pela da leitura do livro “O Oráculo da Noite”, do neurocientista e professor Sidarta Ribeiro, que, por sua vez, nos conduz à história e à ciência que há por trás da habilidade de sonhar — literal e figurativamente. O tema, complexo em suas dimensões neurocientíficas, psicanalíticas, históricas e políticas, me induziu a pensar uma espécie de “dramaturgia do conhecimento”, onde a rigorosidade científica fosse interpelada pela ilogicidade das narrativas oníricas e da própria manifestação cênica. E, simultaneamente, a observar como a escrita criativa se comporta diante dos ditames teóricos.
Essa dispersão temática, que encontra eco em diferentes áreas do conhecimento, se apresentou para mim como uma vasta e fecunda possibilidade de mobilizar, dramaturgicamente, questões típicas do nosso tempo e refletir como algumas delas surgem, também, a partir da nossa incapacidade de sonhar o futuro para além dos limites materiais imediatos.
fragmento dramatúrgico ///
COMO SE FOSSE A CASA, 2022
"COMO SE FOSSE A CASA" reúne três textos que exercitam o pensamento sobre o morar e a relação com o ambiente doméstico. A “casa”, este objeto-símbolo de reconhecimento universal, apresenta-se como reduto de intimidade — a morada, a guarida —, em oposição ao externo, ao evadir-se, ao partir, atravessar fronteiras. Numa sequência de discursos que reiteram seus próprios sentidos, a dramaturgia se apropria da riqueza de termos usados na abordagem técnica-espacial para edificar uma linguagem crítica e poética que produza metáforas sobre o nosso tempo.
A escrita destes ensaios é resultado de uma coleção de imagens, frases, poemas, visões cartográficas e instalações artísticas, que no êxito de sua capacidade de síntese e valor simbólico, instituíam, por si só, circunstâncias cênicas passíveis de "dramaturgização". Dispostos à minha órbita, estes materiais tinham como característica comum a apreensão de uma ameaça iminente. Retratam, em sua maioria, cenários apocalíptico-distópicos, resíduos de civilização, espaços efêmeros, transitórios, ou ainda, espaços estáveis atravessados por forças extraordinárias — guerras, desastres naturais, crimes ambientais, fluxos migratórios, imposições geopolíticas, violência dirigida...
Dessa pequena coleção, germinaram três vozes textuais; discursos que articulam, crítica e poeticamente, estratégias de sobrevivência entre o ambiente interno e externo, evidenciando a relação com o ambiente doméstico e os objetos que o compõem. Ao mesmo tempo que situam esse universo íntimo na amplitude das hierarquias territoriais: reconhecer que há aqui um território que organiza-se segundo a própria dinamicidade, implica em reconhecer que há outro lá, que se distingue justamente por seus diferentes modos de se instalar e fazer uso do espaço. E isso se aplica tanto à demarcação do espaço concreto, quanto subjetivo, dos corpos-territórios em constante expansão. Desse modo, pensar a dissolução do lugar habitual, o corpo sem refúgio, é também pensar a instauração de um território comum que nos coloque em convivência com o outro, o estrangeiro, o desconhecido, a alteridade.
fragmento dramatúrgico ///
Texto inspirado no livro sob mesmo nome, da poeta Ana Martins Marques, e no conto "Esses sãos primeiros meses de Bebê neste país", de Júlia Raiz.
RESSACA PÓS-MAR, 2022
"RESSACA PÓS-MAR" é uma performance sonora com base na composição rapsódica, escrita e produzida por Eduarda Fernandes e Mateus Viana. "O mapa-múndi comprado para estudo sempre escondeu algo; além das bordas, há muita água naquele papel. 'Estava fora de si, estava tão feliz' – foram as últimas palavras que escutei quando tive a oportunidade de me jogar do avião 767 em direção ao mar. Na queda, eu ansiava o “tocar a água”. Acontece que, nesses casos, o mar se torna um verdadeiro piso de concreto, então eu explodi ao tocar a água e servi de alimento aos tubarões ao tornar o mar vermelho. O mar me serviu o finito-infinito ao me aderir a essa engraçada poça d’agua que está sempre cheia, mas não transborda".
fragmento dramatúrgico ///